ENERGIA BRASILEIRA ESTACIONA NO SÉCULO XX
Energia é o setor que mais atrai inovações no mundo contemporâneo.
O primeiro semestre de 2015 ficará na história como aquele em que teve início a massificação das baterias de uso doméstico e comercial, que permitem atenuar radicalmente a intermitência na oferta de energia solar, conforme foi anunciado recentemente pelo empresário e inovador Elon Musk, criador da Tesla e da SolarCity.
O padrão que dominou os sistemas elétricos desde Thomas Edison e que sempre associou eficiência a centralização está sendo questionado e a expressão grid defection (abandono da rede) já se banalizou na literatura internacional.
Os preços dos painéis solares caem de forma vertiginosa, sua potência se amplia e novos modelos de financiamento permitem que centenas de milhares de domicílios em vários países produzam de forma descentralizada sua própria energia.
A energia eólica também conhece um avanço global extraordinário. Durante a última década do Século XX foram registradas nos Estados Unidos 200 patentes por ano em energias renováveis.
E em 2009 já tinha chegado a mais de mil, a cada ano. Em energias fósseis o aumento foi de 100 para 300 por ano, no mesmo período, a cada ano. Desde 2004, o número de patentes em energia eólica aumenta 19% ao ano.
O crescimento anual de patentes em energia solar é de 13% anuais. Estas cifras já superam as registradas para as áreas de semicondutores e de tecnologias da comunicação e da informação (veja aqui).
Apesar de dispor da matriz elétrica mais limpa do mundo (quando cotejada à de países com dimensão populacional e econômica comparável à sua, bem entendido) o Brasil não está minimamente preparado para surfar nesta onda. Nem ele, nem qualquer outro país da América Latina.
Mas parte significativa do chamado mundo em desenvolvimento acompanha e torna-se protagonista da revolução energética que está transformando a vida social do Século XXI. É o que ocorre com a China, com a Coréia do Sul e com Taiwan, conforme mostra a tese de doutorado de Rafael Dubeux, recém defendida no Instituto de Relações Internacionais da UNB, sob a orientação de Eduardo Viola.
O que está em jogo não é uma dimensão setorial em que cada país adota, em energia, o rumo mais adequado a suas vocações. O mais importante é o lugar que o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a inovação desempenham em cada uma destas sociedades.
Exatamente por serem países de industrialização tardia, tanto os asiáticos como o Brasil só puderam transformar suas economias com base na atração de capitais externos.
Nos casos asiáticos, porém, esta relação deu lugar a um sistema de aprendizado ativo, marcado pela qualificação crescente da mão-de-obra, pela prática constante da engenharia reversa na incorporação de tecnologia (enquanto esta prática não foi coibida por acordos internacionais, claro) e por alianças que permitiram o surgimento de grandes empresas e conglomerados nacionais privados nas áreas mais importantes da economia.
A imitação converteu-se em inovação.
No nosso caso, o aprendizado tecnológico foi e ainda é fundamentalmente passivo, com indústrias estrangeiras que apenas tropicalizam seus produtos, montam-nos aqui, mas não suscitam um ambiente em que o setor privado lidera a pesquisa, integra-a com a universidade e é norteado pela inovação.
Os férteis vínculos entre o ITA e a Embraer, entre a UFRJ e a Petrobras e alguns poucos mais são exceções que confirmam a regra e não um padrão socialmente significativo
Claro que na base desta distância está o conhecido abismo entre o nível educacional dos três países asiáticos e o do Brasil. Para a inovação, mais importante que a média geral obtida por cada um no ranking do PISA é o desempenho dos estudantes que se diferenciavam por obterem notas muito elevadas em matemática.
Entre alunos brasileiros, em 2012, eles eram apenas 0,8%. Na média dos países da OCDE, 12,6% destacavam-se excepcionalmente. Na Coréia do Sul, 30,9%. Em Taiwan, 37,2% e em Shangai (o exame não é feito em toda a China), resultados extraordinários em matemáticas eram atingidos por 55,4% dos que se expuseram ao PISA.
O padrão de aprendizado passivo e a má formação dos estudantes se exprimem no atraso brasileiro em matéria de inovação. Mesmo quando se toma um segmento distante da fronteira da inovação contemporânea, as hidrelétricas, o know-how brasileiro está na construção das barragens.
As turbinas para grandes barragens, segmento tecnologicamente mais avançado da obra, são feitas por empresas estrangeiras. O inegável avanço recente na instalação de parques eólicos esconde a mesma distorção.
As habilidades das empresas brasileiras concentram-se nas partes menos valiosas: nas torres e nas pás. Mas das sete empresas significativas em tecnologias de aerogeradores (onde se concentram 60% do valor das instalações), apenas uma é brasileira e tem capacidade produtiva bem menor que suas principais concorrentes.
Em energia solar, empresas brasileiras fazem as partes inicial e final do processo (a mineração do silício e parte da purificação, montagem e instalação dos painéis), mas estão ausentes das etapas intermediárias e de maior intensidade tecnológica.
A exceção está na energia a partir da biomassa em cuja parte agrícola o Brasil disputa a fronteira da inovação, apesar dos problemas recentes com o avanço da pesquisa, derivados da opção dos últimos anos pelo uso de combustíveis fósseis e de seus efeitos sobre a expansão das usinas de cana-de-açúcar.
Este quadro desolador relaciona-se certamente à tão conhecida maldição dos recursos naturais, cujo efeito é a tendência permanente à sobrevalorização cambial e a dificuldade de obter uma inserção de qualidade nas cadeias globais de valor.
É neste contexto que o trabalho de Rafael Dubeux mostra um dos mais importantes riscos ligados ao pré-sal: contrariamente à Noruega, que fez da abundância de petróleo um trunfo, criando e preservando um fundo do qual só se usam os rendimentos, no Brasil é o conjunto dos recursos petrolíferos que deve entrar na vida social, a partir de critérios de distribuição que dificilmente vão reduzir nossa distância da fascinante fronteira tecnológica da energia global do Século XXI.
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Ao lado uma“Fazenda solar” na China. Só em 2015, país ampliará em 15 Mw geração por meio desta fonte.
Também tornou-se líder tecnológico no setor das energias limpas, desmentindo mito de que elas não são adequadas a países em desenvolvimento.
*Ricardo Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP, autor de “Muito além da Economia Verde” (Planeta Sustentável/Abril), pesquisador da FAPESP e do CNPq e coautor de“Lixo Zero: gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais próspera”.
Mantém o site: www.ricardoabramovay.com/ e o Twitter @abramovay.