Fonte: Energia SP
Por Cristiano Prado
Brasil - A matriz elétrica brasileira tem mudado de maneira estrutural nos últimos anos.
A decisão de construir usinas hidrelétricas com reservatórios “pequenos” – ou a fio d’água – buscou mitigar impactos ambientais, mas gerou efeitos colaterais adversos como o declínio da capacidade de regularização de nossos reservatórios e a necessidade de ampliação de geração complementar nos períodos de seca.
A despeito do relevante esforço brasileiro em expandir a geração eólica e solar, essa complementação é, e continuará sendo por um bom tempo, majoritariamente feita por termelétricas, dada a dimensão de nosso mercado.
Isso é relevante porque as termelétricas emitem muito mais e produzem energia mais cara do que as hidrelétricas.
Usando dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, por exemplo, pode-se considerar conservadoramente a emissão de cerca de 40 kg de CO2 por MWh no ciclo de vida completo de uma usina hidrelétrica.
Uma termelétrica a gás, por sua vez, emite 10 vezes mais – algo da ordem de 400 kg de CO2 para gerar o mesmo MWh.
Se for de carvão, a emissão é 20 vezes superior: 920 kg de CO2 por MWh.
Em termos de custo de produção, o MWh da termelétrica é no mínimo duas vezes mais caro – novamente sendo conservador na conta.
A matemática, portanto, é clara: teremos – a priori – que conviver com energia mais cara e mais emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.
Essa situação, porém, pode mudar – e o Brasil está atuando para isso: ratificou em setembro o Acordo de Paris, logo após China e Estados Unidos também o terem feito.
No último dia 4 de outubro foi a vez de o Parlamento Europeu fazer o mesmo. Sob a liderança das potências mundiais, os requisitos mínimos de subscrição de 55 países representando 55% das emissões foram alcançados e o Acordo entrará em vigor já em novembro deste ano.
Para superar a barreira do financiamento à eficiência é essencial engajar o mercado financeiro privado.
Os compromissos assumidos pelo nosso país na CoP-21 incluem, dentre outros, a redução das emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030 e ampliação da parcela de renováveis não hídricos em nossa matriz. Talvez o mais promissor em termos de impacto, porém, seja o de expandir significativamente a eficiência energética no setor elétrico, já que essa ação tem reflexos diretos e imediatos sobre o custo de energia e as emissões:
a energia mais barata e mais limpa é aquela que se economiza.
A eficiência energética ainda é incrivelmente pouco desenvolvida no país. De fato, segundo o ranking de 2016 de eficiência energética da ACEEE (American Council for an Energy Efficiency Economy), dentre 23 países analisados, o Brasil ocupa a penúltima posição no ranking quando consideradas variáveis como esforço nacional em prol do tema, eficiência em prédios e instalações, indústria e transporte.
Países como África do Sul, Turquia, Tailândia – sem falar dos países desenvolvidos – se encontram à nossa frente no ranking.
Considerando as dimensões da economia brasileira, é possível enxergar aqui um mercado em potencial a ser explorado, se a principal barreira que o impede de deslanchar for vencida: seu financiamento.
Produzir mais com menos energia é bom para o meio ambiente e bom para o bolso.
O problema é que, da forma que os projetos de eficiência energética são hoje oferecidos aos compradores em potencial – empresários, industriais, comerciantes – há a necessidade de se investir uma soma muito elevada no curto prazo para obter retorno de longo prazo.
A realidade do setor produtivo e as características de nossa economia, porém, não permitem que isso ocorra, ainda que o retorno futuro seja comprovadamente excepcional.
Embora haja bons projetos, pouca coisa sai do papel. E a eficiência energética não avança.
É possível observar que agentes de fomento nacionais e internacionais já estão atentos a essa questão.
O BNDES melhorou, no último dia 3 de outubro, suas condições de financiamento para energia renovável e eficiência energética.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em parceria com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), criou um mecanismo de garantia para facilitar a obtenção de financiamento, que já está em funcionamento.
Ações como essas são de extrema importância e contribuem para o avanço, mas são ainda insuficientes para deslanchar o mercado.
Para superar a barreira do financiamento é essencial engajar o mercado financeiro privado na ampliação do conhecimento do tema, dos ganhos que a eficiência energética proporciona e das características intrínsecas desse negócio.
É necessário também que sejam criados padrões de contratos, medições e remunerações que possam ser replicáveis, verificáveis e transparentes.
Com a assimetria de conhecimento eliminada e riscos devidamente identificados e precificados, rapidamente surgirão diversos modelos de financiamento para atender a demanda – como securitização de recebíveis e criação de fundos específicos.
Já há conversas e propostas iniciais em discussão nessa linha com agentes de mercado.
Vencido o desafio da modelagem financeira, não faltará capital para investir em eficiência energética – bancos comerciais, de fomento e fundos de pensão estão à busca de boas oportunidades.
Isso sem falar nos US$ 100 bilhões por ano que serão disponibilizados pelos países desenvolvidos, no âmbito do Acordo de Paris, para aplicar em ações nos países em desenvolvimento que ajudem a mitigar os efeitos da sociedade sobre o clima.
Neste quadro, a meta de ampliação de 10% de eficiência energética, que hoje é desafiadora, poderá ser facilmente superada.
Aproximar a eficiência energética do mercado financeiro ajudará fortemente o Brasil a cumprir os objetivos assumidos na CoP-21 e a reverter a tendência estrutural de nossa matriz.
Temos hoje no país a oportunidade única de desenvolvimento de um novo mercado que trará enormes benefícios ambientais e de competitividade.
Como nos projetos de eficiência energética, o ganho futuro é claro, basta que façamos o investimento necessário agora.
* Cristiano Prado, mestre em economia pela PUC-RJ, é diretor executivo da ABCE (Associação Brasileira de Consultores de Engenharia).
Fonte: Energia SP.