Moradia em Piracicaba é híbrido entre sistemas convencional e alternativo.
'É ótimo ligar o som enquanto a rua inteira está sem luz', afirmou morador.
Thomaz FernandesDo G1 Piracicaba e Região
Quintal de casa 'viva' desenvolvida por biólogo e
engenheiros florestais (Foto: Thomaz Fernandes/G1)
'É ótimo ligar o som enquanto a rua inteira está sem luz', afirmou morador.
Thomaz FernandesDo G1 Piracicaba e Região
Quintal de casa 'viva' desenvolvida por biólogo e
engenheiros florestais (Foto: Thomaz Fernandes/G1)
Dois engenheiros florestais e um biólogo desenvolveram tecnologias para tornar a casa em que vivem em um híbrido entre consumo de água e energia convencionais e formas alternativas em Piracicaba (SP).
Com energia solar obtida por placas ou com material feito à mão, além de um sistema de captação e reaproveitamento da chuva, o grupo é capaz de reduzir para um terço o consumo médio de água (economia de 66%).
Eles podem ficar até uma semana sem o abastecimento do sistema público.
O reaproveitamento da água usada em atividades diárias e o uso dos resíduos orgânicos em composteiras também permitem que os moradores consigam cultivar uma grande variedade de plantas e hortaliças para consumo próprio, além de criar aproximadamente 30 peixes em tanques.
Por isso tudo, eles pagam somente seis mil litros cúbicos de água por mês.
O preço pela casa "viva", segundo seus habitantes, não é tão caro. Boa parte do sistema foi feito pelo grupo e o que foi comprado gera economia nas contas que "pagam" o investimento a longo prazo.
Sobre a dedicação, eles dizem que boa parte do local já se mantém sozinho e que exige apenas a manutenção com atividades diárias quanto lavar a louça do almoço.
De acordo com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o brasileiro consome em média seis mil litros de água por mês com afazeres domésticos e higiene pessoal.
Se a casa em que vivem o biólogo Cristiano Gomes Pastor, de 31 anos; e os engenheiros florestais Aníbal Deboni, de 29, e Frederico Domene, de 24, fosse "normal" para os padrões de consumo, o grupo teria de pagar por 18 mil litros por mês, sem levar em consideração os tanques e o pequeno plantio que cultivam.
"Aqui a gente até paga mais do que consome, pois a taxa mínima é por 10 metros cúbicos (10 mil litros de água) e nunca passamos disso. Mesmo no verão sem chuva nós conseguimos ficar abaixo disso", afirmou Deboni.
O quintal da casa é onde a maioria da "mágica" ocorre. Ao passar pelo local, é constante o barulho de água indo de um cano ao outro, o que dá a impressão de que a casa tem vida própria.
Os escrementos dos peixes servem para a horta; há também abelhas sem ferrão; mais de meia dúzia de árvores frutíferas; e um número sem fim de pequenos vazos e encanamentos que aproveitam o espaço ao máximo.
A casa é um local de constante mudança, segundo Pastor. "Acredito que exploramos só 30% do potencial que ainda podemos aproveitar. O tempo todo pensamos em implementar coisas novas e modificar.
Não é só pela economia, mas também estamos tornando-a mais agradável com elementos que temos às mãos."
'O essencial'
Pastor afirmou que a maioria das tecnologias aplicadas obedece a quatro pilares: água, alimentação, energia e resíduos. Sobre os resíduos, o grupo faz coleta seletiva e reaproveita o material orgânico no adubo das plantas e árvores do quintal.
Até mesmo o papelão da caixa de pizza e papéis que se acumulam na casa se tornam a fonte de celulose para a compostagem. "Antes usávamos serragem, mas o Deboni teve a ideia do papel picado e ainda conseguimos economizar no material, que sempre dava algum trabalho para acharmos."
O rapaz está no local há cinco anos e, com os companheiros, desenvolveu diversas formas para tornar o local parcialmente independente. "Ninguém aqui quer parar de ter conta de luz e água, mas sim desenvolvermos uma forma de economizar e aproveitar o que a natureza tem para oferecer.
O próprio Ghandi dizia: A natureza pode dar tudo que for essencial para o homem, mas só o que for essencial."
Com o sistema de adaptação das calhas e cisternas, na casa são três que somadas armazenam até 6.700 litros. Pastor estima que 75% da água de chuva é reaproveitada.
"Nós não abusamos do consumo no dia-a-dia e, com o que é captado, creio que poderíamos ficar até uma semana sem água encanada sem problemas", relatou. Até o que é usado para lavar a roupa é filtrado e reaproveitado.
Aquecimento adaptado
O consumo energético é, talvez, o maior desafio do grupo. Eles compraram duas placas solares capazes de dar autonomia ao quarto de um deles, à bomba d'água usada no tanque de peixes e ainda serve como alternativa para o chuveiro solar no frio.
O banho quente, que segundo Pastor chega a consumir até 40% do gasto de energia em uma casa comum, é garantido graças a um sistema feito em casa formado por vários canos que aquecem a água do reservatório. "Em dois terços do ano não precisamos usar energia. Considero que a maior falha no uso da eletricidade é convertê-la em calor, quando temos o sol à disposição na maior parte do tempo."
Futuro
Como o próprio biólogo disse, a casa ainda tem 70% do seu potencial não aproveitado. A ideia é que no futuro eles possam consumir os peixes que criam e parar de alimentá-los com ração. Além de reaproveitar ainda mais a água, que em tempos de escassez hídrica se torna uma preocupação ainda maior.
"A ideia é se tornar autônomo com os elementos que temos à disposição, usar as tecnologias a nosso favor e parar de depender sempre do abastecimento externo. A melhor coisa que existe é poder ligar o som e usar o computador enquanto a rua inteira está sem luz", completou Pastor.