segunda-feira, 28 de julho de 2014

Desperdício de energia equivale a meia Itaipu


Volume perdido pela ineficiência de aparelhos elétricos e processos industriais no país consome R$ 11 bi por ano e poderia aliviar crise provocada pela falta de chuvas

Zulmira Furbino


Em meio à crise desencadeada pelo risco de escassez de energia no país, que elevou o preço das tarifas em 2014 e continuará pressionando o valor as contas de luz no ano que vem, o desperdício do insumo no Brasil chega a 48 milhões de megawatts por hora. 

O montante, calculado pela Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), equivale à metade de toda a geração anual da hidrelétrica de Itaipu, ou ao consumo de todo o estado de Minas Gerais durante um ano inteiro. 

Funcionários trocam iluminação na Centrais de Abastecimento de Minas Gerais: ações para cortar consumo geram economia de R$ 450 mil na conta de luz  (Ceasa/Divulgação)
Funcionários trocam iluminação na Centrais de Abastecimento de Minas Gerais: ações para cortar consumo geram economia de R$ 450 mil na conta de luz

Também é equivalente ao consumo anual de Rio de Janeiro e Sergipe somados. Por não administrar seus gastos com energia e não adotar todo o seu potencial de medidas de eficiência energética, o Brasil perde R$ 11 bilhões ao ano.


As fontes da sangria são principalmente equipamentos obsoletos e processos inadequados nas empresas, além de geladeiras, aparelhos de ar-condicionado e ferros de passar roupa obsoletos nas residências. 

Nos dias 21 e 22 de julho, os desafios do setor foram discutidos no 11º Congresso Brasileiro de Eficiência Energética e ExpoEficiência 2014, a ser realizado pela Abesco em São Paulo. 

De acordo com Rodrigo Aguiar, presidente da entidade, o Índice de Intensidade Energética (IIE) – que calcula a razão entre o consumo energético e o Produto Interno Bruto (PIB) de um país –, no Brasil é três vezes maior do que o do Japão. Isso significa que para aumentar 1% em seu PIB, os japoneses gastam três vezes menos energia do que os brasileiros. 

“No Brasil, já há planos de eficiência energética, como o selo do Programa Nacional de Energia Elétrica (Procel), criado em 1993, e o Plano de Eficiência Energética das Distribuidoras de Energia. O problema é que o selo Procel avança muito lentamente”, avalia.

Já o plano das concessionárias foi dividido em duas fases. Até 2004, os projetos podiam ser aplicados em todos os segmentos, mas depois disso no mínimo 60% dos recursos passaram a ser destinados à troca de geladeiras e lâmpadas para famílias de baixa renda. 

“Hoje a gente gasta quase três vezes mais para conseguir o mesmo benefício de antes”, calcula Aguiar. De acordo com ele, algumas companhias passaram a destinar 100% dos recursos para essa camada da população, deixando as outras áreas – indústria, comércio, residências de maior padrão e setor público – de lado. 

“Do ponto de vista técnico, e não do social, os projetos passaram a não ter atratividade e os resultados são ruins”, afirma o presidente da Abesco. No ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aceitou um pleito para a modificação dessa situação e há um projeto de lei que troca a aplicação mínima na baixa renda de 60% para até 60%.

Na prática

Enquanto isso não ocorre, diante da necessidade de economizar energia, muitas empresas não perdem tempo e já estão implantando programas que reduzem os custos com os insumos. 

É o caso da Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa Minas), em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). De acordo com Gilson Alves Ferreira, assessor especial da presidência e presidente da comissão de energia elétrica da Ceasa, a conta de energia da empresa chegava a R$ 1 milhão há cerca de três anos e hoje caiu para R$ 550 mil. 

Para isso, a estatal contratou uma empresa especializada em eficiência energética.

Ferreira explica que antes de contratar a QualiLight Energia, a Ceasa Minas tinha um contrato fixo de fornecimento e, mesmo se não consumisse todo o insumo contratado, pagava por ele. 

Caso ultrapassasse a cota era obrigada a arcar com multas que iam de R$ 100 mil a R$ 200 mil. “Resolvemos fazer um trabalho de eficiência energética na empresa. 

Migramos para o mercado livre de energia, modernizamos e mudamos as câmaras de refrigeração e a redução no preço foi substancial”, explica. 

Em seguida, as lâmpadas comuns foram trocadas pelas de LED. Hoje, toda a área pública, a administração e cerca de 50% das lojas já contam com esse tipo de iluminação.

O diretor operacional da QualiLight Energia, Gilson Reis, explica que a demanda pelo serviço de melhoria de eficiência energética nos equipamentos das empresas aumenta a cada dia, principalmente diante do cenário de escasssez de energia no Brasil. “É 50% mais barato investir em conservação de energia do que em geração”, sustenta. 

Seu caso de maior sucesso é o da Ceasa Minas, que conta com 650 concessionários. Nesse caso, parte dos investimentos no projeto – R$ 7 milhões – foi feita pela própria prestadora de serviços. 

O retorno está atrelado à redução do consumo obtida. “A QualiLight recebe pelos resultados. Começaram ganhando 80% da redução que obtiveram, mas hoje o retorno já está entre 40% e 50%”, diz Gilson Ferreira, da Ceasa. Por outro lado, a própria Ceasa Minas conseguiu recursos da Aneel (R$ 6,5 milhões) para a troca das lâmpadas fluorescentes por LED.

Ganho real

Hoje, segundo Ferreira, a Ceasa Minas é a única empresa do tipo no mundo com esse grau de eficiência energética. “Não precisamos mais fazer manutenção nas lâmpadas, porque as de LED duram até 12 anos. 

O ganho que isso traz também precisa ser contabilizado porque é muito representativo”, explica. Assim, o valor da fatura de energia nos galpões foi reduzida em 60%. “Inicialmente, em vez de pagarmos a concessionária, pagamos o projeto. Depois, todos os benefícios voltam para a empresa”, diz. 

Uma das mudanças, segundo ele, é que o calor das lâmpadas já não incide sobre a alimentação. “Aqui havia produtores que ficavam com as lâmpadas ligadas 24 horas. Agora tudo é fiscalizado pela Cemig, seguindo as normas da ABNT. O ganho é para todos os lados”, disse.

enquanto isso...

..o mundo aposta no uso racional

Até 2035, os gastos anuais com eficiência energética deverão aumentar de US$ 130 bilhões de dólares para mais de US$ 550 bilhões, calcula a Agência Internacional de Energia (IEA). 

Os investimentos em eficência energética estarão concentrados nos principais mercados consumidores: União Europeia, América do Norte e China, sendo 90% aplicados no setor de transporte e construção. 

Do total de investimentos esperados para atender à demanda mundial de energia no período, cerca de US$ 40 trilhões deverão ser destinados ao fornecimento de energia e eficiência energética. 

Outros US$ 23 trilhões serão destinados à extração de combustível fóssil, transporte e refino de petróleo, quase US$ 10 trilhões em geração de energia com tecnologias de baixo carbono, sendo US$ 6 trilhões de dólares para energias renováveis e US$ 1 trilhão para nuclear, e mais US$ 7 trilhões para transmissão e distribuição de energia.

Eficiência reduz custos

De acordo com João Carlos Salgueiro Souza, gerente nacional de vendas da área de energia e sustentabilidade da Schneider Electric, o potencial para a expansão da eficiência energética no país é enorme. 

Dados da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco) apontam que em 2013 o potencial de economia em relação ao consumo era de 13%. Por outro lado, a expectativa é que nas próximas décadas 10% da expansão da demanda de energia no país será suprida por esse meio. 

Nos cálculos dele, enquanto hoje a geração de 1 megawatt de energia custa R$ 120, a mesma quantidade do insumo proveniente dos processos de eficiência energética fica entre 50% a 70% desse preço.

“O mercado busca projetos de retorno rápido, que deve ficar entre um ano e um ano e meio. Dois anos já é considerado o limite”, diz. Já as taxas de retorno giram em torno de 30%. 

Por causa disso, boa parte dessas iniciativas é feita com recursos próprios. Mas nos últimos anos as empresas também têm adotado contratos de performance. 

No Brasil, a maioria das organizações empresarias focam seus investimentos na produção e na logística, com um certo grau de endividamento. Elas buscam pagar o seu capex – dinheiro gasto na aquisição de máquinas cortando custos de opex (manutenção e operação. “Isso abre espaço para contratos de performance”, explica o executivo.

Exemplo disso, segundo ele, ´é uma grande siderúrgica brasileira que contratou os serviços de eficiência energética da Schneider Electric e conseguiu uma redução de 30% no consumo de energia numa central termelétrica. 

A eliminação desse desperdício acabou se convertendo em sobra de energia, que foi vendida para o mercado de curto prazo a R$ 822 o megawatt (MW)/hora. “Foram 6MW médios de economia, o equivalente à produção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) que demandaria investimento de R$ 20 milhões, sem contar os entraves ambientais”, lembra. 

A demanda pelo serviço é tão grande que a Schneider fundou a Energy Univertity, uma universidade on-line gratuita que estuda o assunto. Hoje já são mais de 4.500 inscritos no mundo. De acordo com ele, 20% dos cursos já estão em português.