segunda-feira, 4 de julho de 2016

Mercado livre com empresas consumidoras quase dobra de tamanho com a queda no preço da energia

Por: Marcelo Sakate 














Usina hidrelétrica de Furnas: o nível do reservatório, que chegou a cair para 9% em janeiro de 2015, hoje está com 78% da capacidade (Paulo Whitaker/Reuters/VEJA)

Livre da interferência do governo, o setor elétrico começa a se recuperar de uma de suas mais graves crises. 

Um dos sintomas mais evidentes é a retomada do chamado mercado livre de energia, em que empresas têm a liberdade de negociar os termos de contratos (como preço e duração) para adquirir o seu abastecimento. 

É um segmento que voltou a crescer com força nos últimos meses e que deve dobrar de tamanho em um intervalo de apenas dois anos, segundo levantamento da Comerc, a maior gestora de energia do país no mercado livre. 

Em janeiro de 2015, havia 1 789 consumidores livres e especiais em todo o país; contando os contratos e as migrações já previamente acertados, esse número vai saltar pelo menos para 3 230 consumidores em dezembro próximo. 

É um crescimento de 81% no período.

A recuperação do mercado livre tem sido impulsionada pela queda do preço da energia, o que torna esse ambiente mais atraente para empresas do que o chamado mercado cativo, em que o fornecimento é garantido pela distribuidora de energia em contratos com as mesmas condições para todas as companhias que são clientes - e a tarifa é determinada pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, que cuida das regras do setor. 

No Sudeste e no Centro-Oeste, o preço despencou de 388 reais/MWh, em janeiro de 2015, para 35 reais/MWh, em janeiro de 2016, o que provocou uma corrida de consumidores para o mercado livre. 

A queda não ocorre na mesma magnitude no preço das distribuidoras porque se trata de um mercado em que o reajuste tarifário anual leva em consideração outros fatores de custos.

De janeiro a maio deste ano, o preço médio da energia chegou a ser até 49% mais baixo no mercado livre do que no cativo, segundo levantamento da Comerc com as tarifas de oito das maiores distribuidoras do país, em diferentes sete estados. 

A maior diferença foi registrada no Paraná: 49%. A menor diferença foi no Amazonas: 37%.

A redução do preço no mercado livre, por sua vez, é explicada pela normalização das chuvas na região centro-sul do país nos últimos meses e pela queda da demanda por causa da grave recessão econômica. 

A usina hidrelétrica de Furnas, uma das principais das regiões Centro-Oeste e Sudeste, por exemplo, hoje opera com o equivalente a 78% de água em seu reservatório. 

Em janeiro de 2015, em um de seus momentos mais críticos de escassez, o nível da represa caiu para 9% do total. Já o consumo de energia no país caiu 2,1% em 2015. 

Foi a primeira retração desde 2001, ano do início do racionamento, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. 

O resultado negativo no ano passado foi puxado justamente pelos consumidores industriais, que consumiram 5,3% a menos em relação a 2014.

"O cenário atual pode ser explicado pelo impacto causado pelo aumento das tarifas das distribuidoras e da desaceleração da economia, que reduziu o consumo dos setores residenciais, industriais e comerciais no mercado regulado, além da entrada de novas usinas geradoras", afirma Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc.

O setor elétrico foi um dos que mais sofreram com a política voluntariosa da presidente afastada Dilma Rousseff. 

Os problemas começaram a se agravar no fim de 2012 com a decisão editar a medida provisória 579, que praticamente impôs às empresas de geração e de transmissão a adesão a contratos que reduziram substancialmente a sua remuneração. 

O objetivo de Dilma foi reduzir de forma artificial a conta de luz em 20% em média e incentivar o consumo residencial, num momento em que especialistas já advertiam para o risco de as condições climáticas - na forma de chuvas abaixo da média histórica nas regiões das principais usinas hidrelétricas do país - pressionarem o preço da energia. 

A medida fragilizou a saúde financeira de muitas empresas do setor e ampliou a insegurança jurídica, prejudicando os investimentos.

Mais tarde, em 2013 e, especialmente, em 2014, ano eleitoral, o governo Dilma segurou artificialmente os reajustes necessários na conta de luz, afetando ainda mais as empresas. 

A situação só começou a melhorar em 2015, quando o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, determinou que a tarifa de energia em todo o país pudesse subir absorvendo os custos mais altos que as empresas tiveram e que estavam represados. 

Foi o início de um longo processo de recuperação do setor elétrico.