segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Eficiência energética

Com R$ 845 mil, construtora alterou projetos, conquistou selo Procel Edifica e propiciará economia de R$ 225 mil anuais para condomínio com 726 unidades

Por GISELE CICHINELLI


 
"A cada ano, cada morador economizaria algo em torno de R$ 310 
em água e gás. Replicando esse número para o condomínio, 
teríamos economia proporcional potencial de R$ 225 mil" Maurício Bernardes

Graduado em engenharia civil pela Universidade Estadual de Campinas, atuou como gestor de obras residenciais e comerciais e como gestor das áreas de assistência técnica, de qualidade e produtividade e de desenvolvimento tecnológico da Tecnisa, com enfoque na racionalização de métodos construtivos e inovações.

Desde quando a Tecnisa visa à obtenção da etiqueta Procel Edifica?

O processo de implantação dos padrões para etiquetagem do Procel Edifica (Programa Nacional de Eficiência­ Energética em Edificações) completa um ano no final de 2011. Nesse processo, nossos projetos funcionaram como protótipos e foram avaliados pelo LabEEE (Laborató­rio de Eficiência Energética em Edificações), da Universidade Federal de Santa Catarina. No final de 2010, a etiqueta foi concedida ao empreendimento Flex Guarulhos, cujas obras já foram iniciadas e se encontram na fase de execução da contenção. Há vários níveis de eficiência energética, que vão de "E" (menos eficiente) a "A" (mais eficiente). No Flex Guarulhos, alcançamos o nível "B".

Há expectativa de que o programa se torne compulsório?

No curto prazo, a etiquetagem de edificações residenciais não será obrigatória. Assim como já acontece no segmento comercial, talvez existam incentivos fiscais para que seja adotada voluntariamente. O programa "Pró-Copa", que financia a construção, reforma, ampliação e modernização de hotéis, oferece taxa de juros menor a edifícios com certificação Procel ou que atendam à NBR 15401 - Meios de hospedagem - Sistema de Gestão da Sustentabilidade.

Como edificações residenciais poderiam ser beneficiadas?

O Estado poderia usar três mecanismos de incentivo: o poder de compra em licitações, condições especiais de financiamento por bancos públicos, com prazos de pagamento e alíquotas diferenciadas, e a velocidade de aprovação de projetos com este diferencial. A cobrança de impostos atrelados ao consumo de energia de empreendimentos etiquetados poderia ser reduzida.

O que muda no projeto?

Em primeiro lugar, o projeto básico deve ser definido a partir do nível de eficiência energética pretendida. Uma das principais intervenções para alcançar o nível "B" foi a substituição dos chuveiros elétricos por sistema de aquecimento de água a gás com aquecedores com nível de eficiência "A". Previmos medidores individuais de água e acrescentamos às coberturas de fibrocimento uma película de alumínio para reduzir a carga térmica nos apartamentos da cobertura. As tubulações de água quente foram isoladas termicamente com polietileno expandido para reduzir perdas de calor e optamos por usar cores claras no revestimento externo para aumentar a refletância da envoltória e reduzir o ganho de calor.

Os projetos desses empreendimentos são mais caros?

Basicamente, precisamos atender a pré-requisitos, como entrega de sistema de aquecimento, de medição individualizada, tratamento térmico na cobertura e pintura externa em cores claras. Isso não encarece o projeto. São apenas diretrizes. O projetista hidráulico não cobrará preços diferenciados para fazer a instalação que prevê aquecimento a gás ou para especificar a medição individualizada.

O isolamento das tubulações representa economia significativa?

Fizemos um estudo em 2007 com um trecho de tubulação isolada com polietileno expandido e um trecho sem isolamento. Cada trecho foi imerso num tanque com água fria e ficou por duas horas com água quente a 80ºC circulando em seu interior. No primeiro caso a temperatura da água do tanque aumentou em cerca de 2ºC e, no segundo caso, sem isolamento, a água do tanque aqueceu cerca de 10ºC.

Qual o potencial de economia conferido por tais soluções?

Comparando com aquecedor nível "C", o cliente economizará 10% a mais de gás usando aquecedor nível "A". Nesse empreendimento, com 726 unidades, isso representa economia potencial de R$ 36 mil por ano para o condomínio. Com relação à água, o estudo "Gestão da água em edificações: utilização de aparelhos economizadores, aproveitamento de água pluvial e reúso de água cinza", realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, aponta economia potencial de 25% desse item ao usar medidores individuais. Projetamos o mesmo índice para esse empreendimento, considerando que cada morador economizaria R$ 260 de água por ano. Ou seja, a cada ano, no total, cada morador economizaria potencialmente algo em torno de R$ 310 em consumo de água e gás. Replicando esse número para o condomínio, tería­mos economia proporcional potencial de R$ 225 mil (R$ 36 mil por ano em gás e R$ 189 mil em água).

Como essas soluções impactaram no orçamento?

Para o aquecimento de água a gás, oneramos o orçamento em R$ 625,5 mil, a medição individualizada representou acréscimo de R$ 209 mil, o isolamento da cobertura R$ 12,250 mil. Com relação à pintura externa, não houve peso, pois o uso de cores claras já fazia parte da nossa diretriz de projeto. Oneramos o orçamento em cerca de R$ 845 mil para todas as unidades. Ou seja, para esse empreendimento, o custo total da obra sofreu acréscimo de 1,30%. Depois de estudarmos 15 projetos, concluímos que o custo total da obra sofrerá incremento de 0,5% a 1,5% para obtenção do nível "B" da etiqueta.

Qual a razão da variação?

Ocorrem basicamente em função do número de banheiros e da área das unidades. Dependendo das intervenções, a diluição dos custos é maior ou menor. Quanto maior o apartamento, maior a possibilidade de diluir o investimento da medição individualizada, por exemplo. Por outro lado, unidades maiores, por contarem normalmente com mais banheiros, terão custo por metro quadrado mais elevado, já que as áreas úmidas têm custo maior em relação às secas.

E nos empreendimentos que intencionam atingir a classificação "A", qual o impacto?

Nesses casos, o orçamento é onerado de 1,5% a 3%, pois há requisitos mais difíceis de serem atendidos, que são as áreas de ventilação e iluminação, mais restritivos do que os definidos pelos códigos de obra, exigindo maiores áreas de janelas, o que encarece sensivelmente o empreendimento. Especificamente no empreendimento Flex Guarulhos, oneraríamos o custo total em R$ 1 milhão, além dos R$ 845 mil gastos em outras soluções. 
 
Isso porque, além de aumentar a área de janela, teríamos de mudar a tipologia de três folhas por uma janela do tipo integrada. Vale ressaltar que, por mais que se invista em equipamentos e soluções de ponta, é preciso atender sem falta os requisitos do programa. Por exemplo, a maioria dos projetos tem de contar com ventilação cruzada.

É muito difícil entender as regras?

Trata-se de um regulamento bastante denso e complexo. O número de diretrizes e cuidados é muito grande. Por isso, optamos por formar dois profissionais, que estudaram os requisitos e, inclusive, fizeram um curso com a Eletrobrás. Hoje, fazemos as pré-análises dentro da Tecnisa e nossos ajustes são bastante rápidos. É fundamental contar com essa equipe, que pensa as soluções ainda na fase de produto, antes mesmo da fase de projeto.

Como se dá a avaliação do desempenho energético?


A etiqueta Procel Edifica é válida para a torre, para as áreas comuns e para cada unidade. Por conta das variações de nível de insolação, cada unidade recebe uma etiqueta. A etiquetagem do edifício é feita a partir da média de eficiência energética dos apartamentos e das áreas comuns. Se uma suíte máster for projetada, por exemplo, com necessidades de ventilação mínima, será classificada no nível "E". No Procel Edifica, 65% da nota vêm da envoltória da edificação e os outros 35% do sistema de aquecimento de água. Ou seja, não adianta ter peso grande no aquecimento se a envoltória for problemática.

O que dificulta o enquadramento no programa?

A primeira é a riqueza de informações, que demanda estudo aprofundado do regulamento. Chegamos a mandar o escopo de trabalho a alguns consultores e obtivemos números bastante interessantes: uma empresa nos enviou orçamento de R$ 14 mil enquanto outra nos cobraria R$ 108 mil pelo projeto. A grande questão era: com essa disparidade de preços, em qual botar as fichas? Por isso, é muito importante ter dentro de casa profissionais preparados para entender os regulamentos. O segundo entrave é o das aberturas. Em função das grandes janelas exigidas para dormitórios - com portas balcão muito largas que dificultam, inclusive, a colocação de armários - há dificuldade de respeitar os requisitos. O terceiro gargalo é a quantidade de organismos certificadores.

E no canteiro, quais os desafios?


Temos de treinar a mão de obra dentro do escritório, para adotar os conceitos no projeto, mas a relação com os operários em canteiro não muda. Já fazemos medição individualizada em outros empreendimentos e tanto as instalações dos sistemas de aquecimento a gás e de cobertura térmica como a execução de revestimento em cores claras são simples de serem executadas. Já itens de projeto, como a necessidade de ventilação cruzada, também não representam desafio para a mão de obra. Com projeto benfeito, não há dificuldades em canteiro.

Quais os principais cuidados na especificação?

Há pré-requisitos que se referem às propriedades físicas dos materiais como transmitância, absortância e capacidade térmica. Com essas propriedades, é possível verificar se um ambiente está ou não dentro das exigências. Não adianta ter uma boa arquitetura e equipamentos de ponta se os materiais usados são inadequados. Não tivemos dificuldades de compra, pois usamos blocos de concreto convencionais, argamassas e pinturas tradicionais. Há vários fabricantes das subcoberturas de alumínio atuando no mercado.