quinta-feira, 8 de março de 2012

Bolsas brigam por mercado de energia

Autor(es): Por Vinícius Pinheiro e Daniel Rittner | De São Paulo e Brasília Valor Econômico - 08/03/2012

A competição no mercado de intermediação de compra e venda de energia começou oficialmente nesta semana, com a entrada em operação do Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE). 
 
   Crédito: Getty Images
 
Formada por um grupo de 13 comercializadoras, que possuem 12,5% do mercado, a nova bolsa fará frente à Brix, que tem o empresário Eike Batista entre os sócios e que começou a operar em julho do ano passado.

A migração dos negócios para o ambiente de bolsa é o primeiro passo para transformar a energia elétrica em uma commodity financeira, a exemplo do que já ocorre no exterior. A plataforma que for mais bem sucedida concentrará a liquidez e, por consequência, se tornará a referência desse mercado.

As bolsas abrigam os negócios realizados no chamado mercado livre, que atualmente responde por 27% da energia consumida no país e movimenta aproximadamente R$ 30 bilhões, com potencial para chegar a 50%. A maior parte desses negócios hoje é realizada pelo telefone.

De olho nos ganhos que a compra e venda de energia podem proporcionar, o mercado começa a atrair a atenção de investidores financeiros, como o BTG Pactual, que em 2010 fechou a compra da Coomex, na época a maior comercializadora independente de energia.

No mês passado, a gestora Pátria Investimentos adquiriu uma participação de 50% na Capitale - uma das sócias fundadoras do BBCE. A nova bolsa está em busca de novos parceiros e espera chegar a 60 acionistas até meados de 2013, mas estará aberta para todos os participantes.

"Queremos ser uma empresa com uma estrutura de governança e negócios voltada para o mercado", diz o presidente do BBCE, Flávio Cotellessa. A expectativa do executivo é de que até 2.000 megawatts (MW) médios sejam negociados pela plataforma até o fim deste ano. O volume deve subir para 4.546 MW médios em 2013 e 5.384 MW médios em 2016.

Ao atrair os agentes de mercado para a sociedade, a companhia pretende concentrar 75% das vendas de energia no mercado de curto prazo (spot) dentro de sua plataforma. "Toda bolsa depende de liquidez, segurança e credibilidade", afirma Cotellessa. Para o executivo, a maior proximidade do mercado também favorecerá a companhia no momento de identificar a demanda por novos produtos.

Cotellessa diz que ainda há muito espaço para o crescimento do mercado livre, apesar das restrições do governo à entrada de novos participantes, já que só empresas com demanda superior a 3 MW podem atuar plenamente no mercado.

Do ponto de vista tecnológico, outro ponto crucial para o funcionamento de qualquer plataforma de negociação, o BBCE contratou os serviços da Paradigma, cuja plataforma já é usada nos leilões do governo. Desde que começou a desenvolver o projeto, o BBCE foi sondado por três bolsas interessadas em realizar uma parceria, segundo o executivo, que não descarta uma associação no futuro.

Embora sejam chamadas de bolsas, as plataformas só terão efetivamente esse papel quando realizarem a compensação financeira entre os agentes. Os sistemas funcionam hoje apenas como um ambiente onde são visualizados os preços e formalizados os contratos de compra e venda. A liquidação das operações continua sendo realizada de forma bilateral, com as partes correndo os riscos entre si.

A Brix, concorrente do BBCE, já se movimentou nesse caminho, ao entrar na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com um pedido para atuar como mercado de balcão regulado e lançar contratos futuros com liquidação financeira. Atualmente, todos os negócios realizados no mercado livre envolvem a entrega física da energia, e são limitados aos 1500 agentes registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

A ideia é oferecer a possibilidade de agentes financeiros, como bancos e investidores, ganharem com a oscilação dos preços da energia. A entrada de um maior número de investidores permitirá às empresas do setor, como geradoras, usarem a bolsa para fazer hedge e, assim, se protegerem contra essas mesmas flutuações de preço, afirma o diretor presidente da Brix, Marcelo Mello.

Operada pela ICE, bolsa de derivativos e commodities e uma das sócias, a Brix registrou a negociação de 1300 MW médios no mês passado, maior patamar desde o início das operações da plataforma, que ganhou a adesão de mais de 80 participantes.

A expectativa é de que a migração dos negócios para as bolsas também aumente o chamado fator multiplicador, que a grosso modo é a quantidade de vezes que a energia muda de mãos antes da entrega física do produto. No país, esse índice é de 2,5 vezes, enquanto que nos países nórdicos o fator chega a sete vezes.

Segundo Mello, o maior desafio para qualquer entidade com planos de se tornar uma bolsa é a criação de uma câmara de compensação (clearing) que seja capaz de garantir a realização dos negócios fechados no ambiente da plataforma. O executivo espera contar com a experiência da ICE, que já conta com cinco clearings no exterior.

Sobre a concorrência, os executivos de ambas as bolsas adotam um tom diplomático, e afirmam que a disputa é saudável, já que contribui para o crescimento do mercado e para a mudança de cultura dos agentes que atuam no setor de energia. 
 
"O mercado é muito maior do que existe hoje em dia. A concorrência é boa e fará com que os dois briguem mais fortemente pelo mercado", diz Cotellessa.